Não importa onde estamos, numa mesa de bar ou no divã do analista, nossa mente nunca para e nossos medos e desejos nunca nos abandonam. Nem por um instante nos separamos do que realmente somos e, por mais difícil que seja, não controlamos cem por cento nossas atitudes. Se Freud, após 40 anos de estudo da mente humana, continuou com várias dúvidas sobre o ser humano, quem sou eu ou você para julgar as “crises histéricas” da melhor amiga? Só Freud explica!?!
Coisas simples que todos vivemos,pensamos,sentimos e nem sempre conseguimos partilhar. Assuntos, temas, extraídos da minha experiência clínica e do meu cotidiano. Em alguns você pensará: tô fora... Em outros: tô dentro...

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Artistas e suas loucuras (Mary/Mary Design)






Final da década de setenta. Caminhava, pela Savassi, vendo as vitrines das lojas descoladas, numa tentativa de esquecer minhas aflições de qualquer adolescente, agravadas pela minha acne, óculos para elevada miopia e dos meus 1,78m que, sempre dificultava encontrar alguém “à minha altura” para dançar nas discotecas.
Parada diante de uma das minhas preferidas, um colar prende meus olhos e aguça minha visão. Era Belo!
A beleza, sem dúvida, está presente em todas as coisas visíveis e invisíveis neste nosso pequeno grandioso universo. Contudo, os olhos que contemplam são capazes de reconhecer o Belo? E o que é o Belo? Eis o grande mistério e encantamento: somos pessoas capazes de reconhecer a beleza diferentemente uns dos outros – mas acima de tudo, capazes de reconhecê-la em algum momento, de alguma forma, durante nossa fugaz e efêmera vida.
Reconhecer o Belo é um dom. Experimentá-lo é o mais alto grau de espiritualidade que nós seres humanos, podemos alcançar. O Belo transforma nosso olhar e nos dá a sensação de integridade, de sermos um com a humanidade. Não há definição para ele, não há como julgá-lo, não há como recusá-lo ou dele escapar. E então, não há credo, raça, conceito ou preconceito que sejam capazes de nos separar.
Bato com o nariz no vidro da vitrine me fazendo despertar desse momento de paixão. Entro na loja e, acanhadamente, peço a vendedora para “ver” o colar. Mera força de expressão: queria tocá-lo, cheirá-lo, sentí-lo em minha pele... Diante do espelho, com aquela peça ao redor do meu pescoço, esqueço minhas aflições, acnes e viajo através dele me sentindo irresistivelmente linda! Quem teria juntado aquelas pedras, tecidos, cores, todas simétricas e perfeitas (alguém lhe ensinou geometria? Algum químico lhe ensinou a arte de produzir cores tão diferentes?)???
Quando fico sabendo o preço da minha paixão, imploro à vendedora que o reserve para mim -não faziam para uma “pirralha” e quando isso ocorria, só mediante “sinal”- enquanto iria correndo, até minha casa, tentar conseguir minha semanada adiantada com minha mãe.
Após muitas argumentações - como é que se explica para uma mãe, uma paixão por um colar???- volto à loja morrendo de medo de tê-lo perdido. Paixão vai embora, é trocada, mas sem ter consciência nessa época, já era um caso de amor.
Ele estava lá me aguardando, e a felicidade tomou conta de mim. Queria saber de onde ele era, qual era a marca, quem tinha feito, mas tanto a vendedora quanto a gerente olhando-me, como se fosse uma "louca" - não fazemos loucuras quando estamos apaixonadas? - não souberam responder.
Passados os anos, sempre fiel à minha paixão - até mesmo fora de Belo Horizonte - fui adquirindo anéis, brincos, colares. Se pudesse teria sempre uma peça de cada criação! Também já conhecia o nome da artista: Mary Figueiredo Arantes.
Quando usava uma de suas peças, e alguém elogiava me perguntando onde havia comprado ou de quem era, respondia com certa resistência, enciumada por ter que dividí-la com o mundo, mas orgulhosa acreditando que ela era “minha descoberta”.
Sempre me senti íntima da Mary. Algumas coisas em comum sempre tivemos: sensibilidade, imaginação - que é coisa mágica, tem o poder para ver e cheirar o que está ausente - adoradoras de, para uns, balangandãs e para nós arte. Mas sempre com uma diferença: eu amei muito cada colar, anel, brinco, tentava seduzi-los, quis fazer amor com eles e até tentei numa época fazer algumas peças. Mas elas não me amaram. Eu tentava, à força, pôr dentro de mim as peças/arte que estavam fora.
Com a Mary foi diferente. As peças/arte nasceram dentro dela. Antes que ela as amasse, foram elas que a amaram. Assim, ela não precisa fazer força.
Usam nomes para isso: vocação, talento. Mas os nomes não explicam. Uma das características das pessoas que têm isso é que elas têm uma enorme felicidade fazendo a sua coisa. O seu trabalho não é trabalho. É brinquedo. Trabalho que é brinquedo tem o nome de arte!
A felicidade está no próprio fazer e não no que se possa ganhar de dinheiro fazendo. O artista faz, mesmo que não ganhe nada. A experiência amorosa é gratuita. O coração vai fazendo dentro e as mãos vão fazendo fora.
Muitas pessoas dizem que artista é "louco", temperamental. E alguém, que o artista é um erro da natureza. Discordo, porque o normal é que a natureza produza coisas parecidas, diferentes umas das outras, mas não muito, tudo dentro da medida. De vez em quando, entretanto, ela erra. Aí surgem coisas assombrosas, inexplicáveis, apaixonantes, como é o caso dos artistas.
Mary é um erro perfeito. Imagino que ela cria misticamente. Em transe. Pelas noites adentro. Quando o corpo já está dormindo e só o inconsciente acordado. Penso ainda, que quando cada fio, aro, entremeio, pedra, tecido, é transformada numa peça, é como se estivesse montando os pedaços coloridos da sua alma.
Muitos artistas, e especialmente você Mary, me fazem acreditar mais ainda em anjos. D’US de vez em quando tem dó de nossa condição e nos envia esses seres inexplicáveis para experimentarmos a alegria do mundo de beleza perfeita!
Ah, é realmente uma pena que não dá para acrescentar ao ditado "De médico, artista e louco todo mundo tem um pouco" isso é só prás Marys da vida!

2 comentários:

  1. Regina,
    conheci a Mary, em 1985, ela entrou na Art Bijou, quando eu ainda começava a me enveredar no ramo de moda. Eram sete horas da noite, eu estava no caixa já terminando mais um dia de vendas e surpresas do comércio. Ela olhou os expositores, vindo em minha direção e disse: _Eu crio essas pulseiras. E me mostrou no pulso umas pulseiras lindas de florzinhas de lalique coloridas....
    E assim, Mary entrou na minha vida, tornando-se minha mestra. Muito mais que uma fornecedora, alias a principal marca comercializada na Art Bijou durante 24 anos.
    Tornou-se uma referência para meu olhar observador, atento a tudo que transmite ou transpira arte, design, sonho, beleza.

    Adorei ler esse seu post, pois relembrei de todos os sentimentos que eu também tenho ao me deparar com cada arte da Mary.

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  2. Júnia
    Que delícia descobrir mais alguma coisa em comum! Tô querendo fazer exposição da SUA "ARTE" aqui no blog...o que vc acha? O mundo de pessoas simples precisa ver suas coisas, minina! rsrsrs. Só chiquérrima pela mída, pode não!rsrsrs
    Beijuuss n.c.

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