Não importa onde estamos, numa mesa de bar ou no divã do analista, nossa mente nunca para e nossos medos e desejos nunca nos abandonam. Nem por um instante nos separamos do que realmente somos e, por mais difícil que seja, não controlamos cem por cento nossas atitudes. Se Freud, após 40 anos de estudo da mente humana, continuou com várias dúvidas sobre o ser humano, quem sou eu ou você para julgar as “crises histéricas” da melhor amiga? Só Freud explica!?!
Coisas simples que todos vivemos,pensamos,sentimos e nem sempre conseguimos partilhar. Assuntos, temas, extraídos da minha experiência clínica e do meu cotidiano. Em alguns você pensará: tô fora... Em outros: tô dentro...

sexta-feira, 16 de abril de 2010

TÔ EM CRISE: ANGÚSTIA OU MELANCOLIA?

Logo quando iniciei o blog escrevi alguns posts mais relacionados à minha profissão. Um deles era, de alguma maneira, um cansaço sobre tamanha confusão entre tristeza e depressão. Agora me vem outro incômodo: angústia ou melancolia?
“Quando, em sua exacerbada autocrítica, ele o melancólico se descreve como mesquinho, egoísta, desonesto, carente de independência, alguém cujo único objetivo tem sido ocultar as fraquezas de sua própria natureza, pode ser, até onde sabemos, que tenha chegado bem perto de se compreender a si mesmo; ficamos imaginando, tão-somente, por que um homem precisa adoecer para ter acesso a uma verdade dessa espécie." (FREUD, 1917(1974): p.278-279)
Freud pensa a lamentação melancólica como autocompreensão, como acesso a uma verdade. Há algo na melancolia que toca a neurose muito profundamente. O melancólico, adoecido, parece tocar a verdade que é velada pela neurose, essa verdade que surge na neurose nas irrupções do recalcado e nas denegações; maneiras de o sujeito se confrontar com a verdade da qual ele nada quer saber.
Freud, em Luto e melancolia de 1917, compreende a melancolia como efeito, assim como o luto, da perda de um objeto que, no instante de seu desaparecimento, deixa a marca de uma ferida aberta no psiquismo para aquele que a sofre. No entanto, o padecimento e a perda de interesse pelo mundo, marca inevitável e mais imediata tanto do luto quanto da melancolia, podem ocultar mecanismos dessemelhantes diante de uma mesma origem. Se as semelhanças entre ambas as afecções são grandes, as diferenças entre elas podem ser ainda mais significativas.
O melancólico sabe que perdeu alguma coisa, mas é incapaz de saber o quê. Há uma condição de transitividade em relação à imagem de outrem na melancolia, em que o laço com o objeto se torna a condição para haver uma imagem de si mesmo para o melancólico. “Sonhei que brincava com meu reflexo. Mas meu reflexo não estava num espelho, mas refletia uma outra pessoa que não eu.” ( Clarice LISPECTOR)
Para Freud a angústia seria o sintoma fundamental das neuroses. As neuroses seriam decorrentes das várias maneiras de o sujeito evitar a angústia, constituindo os vários estilos defensivos, que seriam o fundamento dos agrupamentos das neuroses. Corresponderiam, segundo o ensino de Lacan, às várias possibilidades de o sujeito negar a falta no Outro.
Com o grupo de sintomas que naquele momento significava a depressão, Freud ordenou a sintomatologia em torno de um centro, de um fundamento que organizaria as demais manifestações depressivas entre si, e que para Freud, foram articuladas em torno da sua principal evidência, a auto-acusação.
Para compreender as razões das manifestações depressivas e encontrar o seu fundamento defensivo, Freud recorreu ao paralelo clínico com o luto, pois, no luto o sujeito apresentaria expressões semelhantes aos sintomas da depressão.
Nos primeiros textos, Freud frisou a diferença entre depressão e melancolia. Desde 1892 ele utilizou a palavra depressão para descrever uma constelação sintomática a que ele chamou de depressão periódica branda.
Em 1893 Freud diferenciava a depressão da melancolia e afirmava (cito Freud): “essa depressão (a depressão periódica branda) em contraste com a melancolia propriamente dita, quase sempre tem uma ligação aparentemente racional com o trauma psíquico. Este, porém, é apenas uma causa provocadora. Ademais, a depressão periódica branda ocorre sem anestesia psíquica, que é a característica da melancolia”. (Rascunho B, pág. 43).
Em 1917, no texto, Luto e Melancolia, Freud definiu a melancolia como um: “... desânimo profundamente penoso, a cessação do interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade e uma diminuição dos sentimentos de autoestima aponto de encontrar expressão em auto-recriminação e auto-envilecimento, culminando numa expectativa delirante de auto-punição.”
Freud colocou a ênfase do quadro melancólico na dor psíquica que este refere, e que ele caracterizou como o estado clínico da melancolia.
O que causa a dor psíquica?
A falta de objeto seja por uma perda real ou por uma falta imaginária. Freud, à sua definição de melancolia que já citamos, acrescentou: “Este quadro se nos faz mais inteligível quando refletimos que o luto mostra também estes caracteres, à exceção de um só: a perturbação do amor-próprio”.
Ou seja, tanto no luto como na melancolia, encontramos aflição e dor, perda do interesse pelo mundo e pelas coisas, perda da capacidade de escolher um objeto novo, porém o que diferencia o luto da melancolia, é que no luto não há a perda da auto-estima.
Para Freud, na melancolia, não seria o mundo que estaria empobrecido, mas sim o próprio Eu e, como no luto, também na melancolia teria havido uma perda, porém não se conseguiria distinguir claramente o que o sujeito perdeu, e, tampouco ele saberia dizê-lo.
Uma vez reformulada a questão da angústia, em 1925, num apêndice do texto Inibição Sintonia e Angústia, que aparece com o título de Angústia, Dor e Tristeza, Freud concluiu que: “...a dor seria a verdadeira reação à perda de objeto, e a angústia seria a verdadeira reação ante o perigo que ocasiona a perda de objeto”.
"De agora em diante o tempo vai ser sempre atual. Hoje é hoje. (...) E amanhã eu vou ter de novo um hoje. Há algo de dor e pungência em viver o hoje.  Eu compreendo melhor a morte. Ser cotidiano é um vício.  Para que eu não seja engolido pela voracidade das horas e pelas novidades que fazem o tempo passar depressa – eu cultivo um certo tédio." (Clarice Lispector)
Hoje, não me re-conheço, estou melancolicamente angustiada.

12 comentários:

  1. Rê Amiga,
    Aqui estou! Hoje, com a satisfação de ser primeirinho a acudir a essa melancolia toda.
    A experiência do sofrimento pode abrir-nos os olhos para a realidade. É a experiência do sofrimento que nos liga aos outros.
    Um abraço solidário e amigo.
    Jorge

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  2. Jorge, amigo, amado!
    Brigadim...messssmo, mas leu o post TÔ EM CRISE (30/03/10) anterior a esse? E realmente eu sofro, pois são muiiiiiitos anos de verdadeira paixão pelo que faço... e ultimamente não sei cadê ela!!! Sempre foi uma característica minha, inclusive reconhecida pelos pacientes e pelos colegas também. Sempre fui movida por ela e com ela, aceitando e enfrentando os desafios, dessa profissão nada fácil não... Sem ser assim não consigo trabalhar, além de me sentir muiiito mal messsmo. Mas vamos ver... há de passar ou outro rumo irei dar!
    Beijuuss n.c.

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  3. Regina, minha querida.

    Você esqueceu que somos mortais, todos nós temos dias assim, faz parte, eu que o diga. Escrevi este texto em um momento desse que vc tá agora.

    ENTRE O SOL ALGUMAS NUVENS, ENTRE SORRISOS ALGUMAS LÁGRIMAS, ENTRE UMA PERGUNTA E OUTRA NENHUMA RESPOSTA. ENTRE O SER E O TER ALGUMAS VEZES NEM O TER E MUITO MENOS O SER. ENTRE A ESPERA DA CHEGADA NENHUMA PARTIDA, ENTRE O RACIONAL ALGUMAS VEZES O IRRACIONAL, ENTRE MORRER SÓ QUERER E SEMPRE VIVER...
    ENTRE A PROCURA POR CERTEZAS ALGUMA DUVIDA, ENTRE O AZUL ALGUMAS VEZES O VERMELHO, ENTRE ROSAS ALGUMAS VEZES ORQUÍDEAS, ENTRE SENTAR ALGUMAS VEZES DANÇAR, ENTRE LER ALGUMAS VEZES SER LIDO, ENTRE OUVIR MUSICAS ALGUMAS VEZES CANTAR.
    ENTRE ESCREVER ISTO, É PREFERIVEL ALGUMAS VEZES CALAR...

    Coloca pra fora, grita, sai de casa, beija o espelho, conselho de uma completa maluca.

    Te adoro, precisando é só chamar.

    Renata
    (desculpa os erros é q estou com problemas de visão emabasadda, rsrsrsrs beijossssssssssssssss)

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  4. Olá Regina!

    Começo por elogiar a sua coragem em expor o seu estado de alma perante amigos, e outros, que não conhece. Dizendo isto, estou a dizer que julgo não ser capaz de lhe seguir o exemplo; daí o elogio.E também acho que a sua atitude é a correcta, uma forma de terapia, de auto-ajuda ... sem ter que pagar a um médico!
    Chegar a uma fase da vida profissional em que se "descobre" não ter mais prazer ou apetite por aquilo que se faz é situação difícil de enfrentar, e ainda mais como sair dela.Eu passei por algo semelhante: Pensar em ir para o emprego, de manhã, era algo de muito desagradável, e lá permanecer não o era menos- chegando mesmo a ser penoso, por vezes.
    Felizmente para mim, vi mudadas as minhas funçoes; passei a fazer aquilo de que gostava, e o trabalho voltou de novo a ser fonte de prazer - e também um enorme alívio!
    Na vida temos que ter algo - ou alguém - que nos faça sentir bem, que seja a tal fonte de prazer, de natureza social e familiar ou profissional, para que o nosso viver possa ter sentido.
    Mas tudo isto já a Regina sabe ... muito melhor do que eu, e vai dar a volta por cima, tenho a certeza - e sinceramente desejo!

    Um beijinho e uma abraço, e um bom fim de semana.
    Vitor

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  5. Rê querida amiga,
    Dias que nos tocam como se tivéssemos vontade de ser voláteis e desaparecer. Quem os não tem!
    Um trem que se apanha e só quando damos por nós no fim do percurso, reparamos que não saímos no ponto que era o nosso, fomos longe e sem destino porque também já nem queremos ou temos forças para controlar.
    Como hoje estou às avessas e recebi um mail com uma mensagem poética das coisas mais lindas que já ouvi e li, ainda consegui durante algum tempo do meu dia, ressuscitar, para entretanto mergulhar na melancolia a que estava votado.
    A única certeza que tenho é de não haver horas nem dias iguais, traz-nos a esperança de que qualquer coisa vai acontecer de bom para levantar o ânimo e melhorar nosso biorritmo, a qualquer momento.
    Depois da tempestade, vem a bonança.
    Fim de semana à porta vai trazer-te um tempo de volta com aquela energia boa que nos ofereces neste sofá confortável como nenhum.
    Só falares no estado em que te sentes já é um bom pronuncio, de querer caminhar, ultrapassar e renascer!
    Tudo de bom querida amiga e recebe o meu sincero kandando a atravessar tanto mar. Inté

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  6. "A única coisa que me separa da árvore ou de um monte de terra, é a angústia ..."

    Beijo e bom fds.

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  7. Minha linda e amada amiga!

    Chico Buarque escreveu:
    -"Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu..."

    Já me senti assim, por isso reconheço o teu sofrer e sei como é difícil passar por ele. Parece que a nossa força sumiu e o nosso ânimo morreu. Mas eles estão aí, amiga! Você vai descobrir!

    Fique com Deus, Ele te ajudará a reencontrar a força e a Luz dentro de você!

    Abraço carinhoso.

    Lia♥

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  8. Renatinha, amada!
    Não me esqueço nunca que sou mortal, substituível, de carne e osso, vulnerável e absolutamente passível de crises. Lindas palavras que escreveu... e é isso que estou fazendo, né? Colocando a boca no trombone, sem vergonha nenhuma rsrs Você, minina amada, mora no meu coração e pode deixar: GRITO POR S.O.S. messssmo!!!!
    Beijuuss n.c.

    Vitor, amigo tão querido e amado!
    Como respondi a Renatinha, não tenho vergonha nenhuma de partilhar com vocês amigos, carinhosos e com aqueles que nem conheço, o que está passando comigo... Como está escrito lá em cima "Coisas simples que todos vivemos,pensamos,sentimos e nem sempre conseguimos partilhar. Assuntos, temas, extraídos da minha experiência clínica e do meu cotidiano. Em alguns você pensará: tô fora... Em outros: tô dentro...". Então, tudo vai se ajeitar mesmo, mais cedo o possível! A você, amigo, só tenho sempre que dizer: OBRIAGADA!!!
    Beijuuss n.c.

    Kimbanda, amigo querido, amado!
    Adoro essa expressão "Como hoje estou às avessas" e resume bem meu sentimento...me fez rir. Que bom que recebeu algo, que mesmo momentaneamente, te colocou "às direitas" rsrs São essas coisas pequeninas, surpreendentes, fora de hora que quando recebemos, nos faz respirar fundo e seguir em frente! Esses comentários solidários, carinhosos e sinceros, por exemplo me dá essa força...então a você, amigo querido, o meu OBRIAGADA, sempre!!!
    Beijuuss n.c. do lado de cá do Atlântico

    Êita Manuel, poeta, amado!
    Sempre me lembrando dessa "insustentável leveza de ser"rsrs OBRIAGADA!!!
    Beijuuss n.c.

    Lia, amada!
    RODA-VIVA, VIVA-RODA... Super apropriado! E se Chico já pôde se sentir assim...imagina euzinha???rsrs Prá quem não conhece (se é que seja possível) vai aí a letra toda:
    "Tem dias que a gente se sente
    Como quem partiu ou morreu
    A gente estancou de repente
    Ou foi o mundo então que cresceu
    A gente quer ter voz ativa
    No nosso destino mandar
    Mais eis que chega a roda-viva
    E carrega o destino pra lá
    Roda mundo, roda-gigante
    Roda-moinho, roda pião
    O tempo rodou num instante
    Nas voltas do meu coração
    A gente vai contra a corrente
    Até não poder resistir
    No volta do barco é que sente
    O quanto deixou de cumprir
    Faz tempo que a gente cultiva
    A mais linda roseira que há
    Mas eis que chega a roda-viva
    E carrega a roseira pra lá
    Roda mundo, roda-gigante
    Roda-moinho, roda pião
    O tempo rodou num instante
    Nas voltas do meu coração
    A roda da saia, a mulata
    Não quer mais rodar, não senhor
    Não posso fazer serenata
    A roda de samba acabou
    A gente toma a iniciativa
    Viola na rua, a cantar
    Mas eis que chega a roda-viva
    E carrega a viola pra lá
    Roda mundo, roda-gigante
    Roda-moinho, roda pião
    O tempo rodou num instante
    Nas voltas do meu coração
    O samba, a viola, a roseira
    Um dia a fogueira queimou
    Foi tudo ilusão passageira
    Que a brisa primeira levou
    No peito a saudade cativa
    Faz força pro tempo parar
    Mas eis que chega a roda-viva
    E carrega a saudade pra lá
    Roda mundo, roda-gigante
    Roda-moinho, roda pião
    O tempo rodou num instante
    Nas voltas do meu coração."
    E do PAI, num desgarro nunca...amiga! OBRIAGADA!!!
    Beijuuss n.c.

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  9. Diz o adagiário que a melancolia (popularmente confundida com a depressão) é um etado constitutivo da psiquê, aolado da euforia (da mesma maneira confundida com a alegria). Estarei muito errado em acreditar? A cada momento de melancolia sinto aprender um pouco mais sobre mim mesmo e sobre os outros. Quando atravessei uma crise bipolar, nas poucas sessões com o psiquiatra, também aprendi um bocado. Minha tendência é acreditar. Pelo sim, pelo não, não posso deixar de reconhecer a genialidade do "Segismundo"!
    Evoé!

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  10. Zé, amado!
    Sobre a genialidade de Freud, nem discuto... As confusões acontecem constantemente e irão continuar assim, até porque houve, e há uma total banalização dos termos, promovida pelos mais diversos interesses. Quanto ao crescimento, amado, dispensamos qualquer deles...crescemos na melancolia, tristeza, euforia, alegria, depressão, mania, ....e aonde mais conseguirmos!!! Tarefa nada fácil, mas extremamente F-A-N-T-Á-S-T-I-C-A quando, bem assistidos, fazemos desses "limões uma bela limonada" à nossa singular maneira!
    Beijuuss n.c.

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  11. oi...poxa vc escreve pra caramba..parabens!! Estou meio atrapalhada com meu blog mas logo me encontro....bjao

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  12. Gostei imenso do texto.
    Acredito que escrever faça bem a mente e a alma.
    Parabéns pela coragem

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